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“Como a abelha que colhe o mel de diversas flores, a pessoa sábia aceita a essência das diversas crenças e vê somente o bem em todas as religiões”

15 de jul. de 2011

Conheça a impressionante e comovente historia de Malika Oufkir e veja se você realmente tem motivos pra reclamar da vida.




Malika Oufkir tinha 5 anos quando foi adotada como filha pelo rei do Marrocos. Morou num palácio, era querida por todos e vivia cercada de luxo. Dezessete anos depois, o mesmo rei a mandaria para a prisão, onde ela passou anos sem ver a luz do sol e comendo carne estragada. Sua história virou best-seller na França e é agora lançada no Brasil.
Malika Oufkir nasceu em 1953, a primeira filha do general Mohammed Oufkir. "Dos primeiros anos da minha infância", diz Malika, "eu só te- nho boas lembranças. Meus pais me rodeavam de amor, me mimavam e me vestiam como uma princesinha". Ela só tinha 5 anos quando sua mãe, amiga de infância do rei Mohammed 5º, levou-a ao palácio pela primeira vez para se encontrar com uma princesa de verdade, a filha do rei, Lalla Mina, também com 5 anos.


Uma rara foto de Malika (terceira a partir da esq.) com os irmãos na prisão
Malika encantou o rei. Ele gostou tanto da menina que quis adotá-la como companhia para sua filha. A mãe de Malika não tinha escolha. Malika foi arrastada de sua casa e de sua família para começar uma nova vida como amiguinha de Lalla Mina no luxuoso confinamento do palácio.

"Lembro que minha mãe desapareceu de repente e me jogaram dentro de um carro que me levou para Villa Yasmina, onde Lalla Mina morava com sua governanta. Eu gritava e chorava, mas a governanta me pôs no quarto de visitas e trancou a porta. Solucei a noite toda."

"Apesar da minha mágoa, aos poucos eu me conformei com a separação. Eu amava minha mãe demais, e as visitas dela eram uma tortura para mim. Nas raras ocasiões em que ela vinha me ver, chegava ao meio-dia e ia embora às 14h. Quando a governanta me avisava que ela viria, eu sentia uma alegria que não se comparava com nada, só com a intensidade da dor que eu sentia logo depois, ao lembrar que ela iria embora dali a pouco. Eu ia correndo como uma louca até a sala de recepção, onde minha mãe estava me esperando. Ficava na frente do cabideiro e enfiava meu rosto no casaco dela. No almoço, eu não comia. Só a observava. Registrava todos os detalhes que podia e de noite eu rememorava tudo antes de dormir."

As visitas de sua mãe se tornaram cada vez menos freqüentes, e Malika foi se isolando do mundo. Ela tinha entrado em um lugar mágico e exótico, onde tudo parecia possível – menos fugir de volta para a família de que ela sentia tanta saudade.

A enorme mansão que o rei havia erguido para sua filha era um paraíso infantil. Um jardim magnífico cheio de flores rodeava a casa. As passagens eram ladeadas por pés de limão e de laranja. "Lá aprendi a arte de ser uma princesa", lembra Malika.


Malika (centro) aos 7 anos, quando morava com o rei e era a grande amiga da princesa Lalla Mina
O rei não fazia distinção entre sua filha e Malika. Tratava as duas de maneira idêntica, dava a elas o mesmo afeto. As duas menininhas faziam tudo juntas e rapidamente se tornaram inseparáveis. Estudavam sob as ordens da governanta alemã, que odiavam, brincavam com o inesgotável suprimento de brinquedos de Lalla Mina.

"Ela era mimada", diz Malika. "Chefes de Estado do mundo inteiro mandavam milhares de brinquedos que se amontoavam no imenso quarto de brincar. Walt Disney desenhou um carro americano especialmente para ela. Nehru, o primeiro-ministro da Índia, lhe deu um filhote de elefante. No Natal, ela ganhava tantos presentes que nossa governanta os confiscava para distribuir aos pobres. Tínhamos um cinema particular, e Lalla Mina, que adorava animais, tinha um estábulo e até seu próprio zoológico." Malika também se lembra de ganhar presentes, "mas obviamente o que eu ganhava não passava nem perto do que a princesa recebia".

Quando Malika estava com 8 anos, Mohammed 5º morreu. Ele foi sucedido pelo filho Hassan 2º, que, sob juramento, passou a cuidar de Lalla, sua irmã, como sua filha. A situação de Malika não mudou. "Durante as nossas férias, nós caçávamos de helicóptero e de jipe, e eu sempre ficava sentada ao lado do rei. Tinha 10 anos, mas já percebia que estava vivendo uma situação excepcional."

Mesmo com toda a opulência que a cercava, Malika conseguia sentir que a vida lá fora era bem diferente. "Quanto mais velha eu ficava, mais prisioneira eu me sentia. Aquele palácio era meu corpo e minha alma, e isso me sufocava."

Com 16 anos, ela se deu conta de que não podia mais viver num mundo que não lhe dizia respeito. Apesar da ligação fortíssima com Lalla Mina, quis romper com tudo e, pela primeira vez, pediu para voltar para a casa dos pais. Para sua surpresa, o rei permitiu que ela fosse, e Malika voltou a viver com sua família, que àquela altura ela mal conhecia.

Afora as visitas ocasionais de sua mãe e as raras vezes em que viu seu pai, então um ministro poderoso, ela havia passado 11 anos sem contato com a família verdadeira. Seus pais tinham tido outros cinco filhos, todos eles completos estranhos para Malika. "Eu não aparecia em nenhuma foto de família. Foi assim que me dei conta de que os anos tinham passado."

Mas Malika logo abraçou sua recém-conquistada liberdade. Saiu pelo mundo, perambulou por Paris, Londres, Nova York e Hollywood, onde ela freqüentava festas de milionários e estrelas de cinema. Durante dois anos, levou a vida de uma garota rica e mimada, dirigindo uma Maserati, namorando Steve McQueen e dançando até de madrugada nos nightclubs mais badalados. "O mundo estava a meus pés", lembra. "Tudo aquilo me parecia muito normal – dinheiro, luxo, realeza, poder..."

Quando estava com 19 anos, aquele cenário de festas e diversão acabou de uma hora para a outra. Em 16 de agosto de 1972, seu pai, então o temido ministro do Interior de Hassan 2º, liderou uma tentativa de golpe para derrubar o rei, atirando contra o avião real quando Hassan 2º voltava de Paris para o Marrocos. O golpe não deu certo, e o pai de Malika acabou morrendo baleado. Sua família foi imediatamente detida em prisão domiciliar – Malika inclusive.

O mundo de Malika foi repentinamente reduzido a dez pessoas: sua mãe, Fatema, suas irmãs, Maria, Mimi e Soukaina, seus irmãos, Raouf e Abdellatif, um primo, dois rebeldes que tinham permanecido fiéis à família e uma antiga babá.
Quando o período tradicional do luto muçulmano (quatro meses e dez dias) acabou, as três mulheres e as seis crianças foram colocadas dentro de um carro e levadas para o deserto, sem a menor idéia de para onde estavam indo. "Maria e Soukaina grudaram em mim, aterrorizadas", lembra Malika. "Raouf cerrava os punhos. Abdellatif, que tinha 2 anos, apenas chupava o dedo. Dentro do carro, eu me virei para trás para olhar nossa casa pela última vez. Eu chorava baixinho, para não assustar as crianças. Não estava chorando só pelo meu pai, mas também pela minha vida toda, que estava sendo roubada de mim naquele momento."

A família foi levada para uma tenda no meio do deserto do Marrocos – era a primeira de uma série de cadeias onde os Oufkirs viveriam pelos próximos 15 anos, nas piores condições possíveis. Eles nunca souberam quanto tempo duraria o confinamento. Apesar de tudo, Malika afirma nunca ter tentado entrar em contato com Lalla Mina, assim como também não ouviu falar dela enquanto estava presa.


Malika em Paris, depois de passar quase duas décadas na prisão
"Minha vida mudou de um dia para o outro, da opulência para a miséria. Vivi um conto de fadas ao contrário." Com o passar dos meses, as condições da família na prisão foram ficando cada vez piores. No começo, eles ainda ficaram com alguns objetos que tinham trazido de casa, podiam se ver durante o dia e passear ao ar livre. Depois de algum tempo, até a comida degenerou: "A carne que nos davam vinha cheia de vermes, os ovos eram verdes de tão podres. Todo dia de manhã minha irmã raspava a camada de bolor do pão. A gente fazia sanduíches com aquele pão e um pouco de grama, colhida no pátio da prisão. Eu ainda posso ver minha irmã tirando delicadamente os pêlos de rato da superfície do pão antes de colocá-lo na boca".

A saúde dos prisioneiros piorava a cada dia: infecções misteriosas, febres, fortes dores pelo corpo, intoxicações alimentares, tudo passou a fazer parte da rotina. A que mais sofria era Mimi. Anêmica e sem acesso a remédios para tratar de suas crises de epilepsia, ela ficou de cama durante oito anos. "A vida dela estava sempre por um fio", lembra Malika. "As gengivas ficaram brancas, seu rosto era cor de cera e as unhas caíram. Ela estava morrendo diante dos nossos olhos, e não havia nada a fazer." Malika se viu forçada a tratar todas as doenças da irmã com o único remédio disponível: azeite de oliva.

Apesar de não ser torturada ou espancada pelos funcionários das prisões por onde passou, a família toda era vítima constante da tortura psicológica exercida pelos carcereiros. Um dia, por exemplo, foram obrigados a assistir à queima de todos os objetos pessoais que ainda conseguiam manter. Outro hábito dos carcereiros era matar dois pombos por dia diante das crianças – porque sabiam que elas tinham adotado os pássaros como bichos de estimação. Quando perceberam que os prisioneiros comiam os figos do jardim do pátio da prisão, passaram a pegar as frutas e comê-las na frente deles.

Malika estava particularmente preocupada com seu irmão menor, Abdellatif. Apesar do enorme esforço da família em dar a ele algo que se parecesse com uma infância – todo Natal, faziam para o caçula uma caixa cheia de brinquedos de papelão –, Abdellatif tentou se matar quando tinha 7 anos, e repetiu a tentativa aos 10. Ele acreditava que sua morte pudesse fazer com que o restante da família fosse libertada. "Depressão numa criança, assim como a fome, é uma coisa insuportável de se ver", Malika escreveria mais tarde.

Em 1977, depois de cinco anos na prisão, a família foi separada e mantida trancada em celas diferentes. Raouf ficou na solitária. Abdellatif e a mãe dividiam uma cela, assim como Malika e suas irmãs. Pelos anos seguintes, Malika não veria sua mãe nem seus irmãos. Passou a educar as irmãs. "Eu virei a mãe delas. Ensinei boas maneiras, a respeitar os outros. Nos sentávamos direito à mesa, dizendo 'por favor' e 'obrigada', e lavávamos as mãos antes de comer. Para nos distrair, eu inventava jogos do gênero 'O que você faria se tivesse 48 horas de liberdade?'. Também ensinei história, geografia, ciência e literatura. Passei a elas tudo o que eu sabia."

Proibidos de ver um ao outro, eles fabricaram uma espécie de rádio, montado com fios tirados de um aparelho de som velho que tinham trazido de casa. Passando os fios através dos buracos nas paredes, o sistema, que apelidaram de "a instalação", permitia a eles alguma comunicação. "Os dias eram intermináveis", lembra Malika. "Nosso maior inimigo era o tempo. Num dia típico, as horas se arrastavam assim: acordávamos cedo porque os guardas chegavam às 8h30. Bebíamos água quente misturada com farinha e grão-de-bico, fingindo que aquilo era café. Depois, nos dividíamos em turnos para dar umas voltas dentro da cela, que tinha uns 3m x 4m. A maior parte do dia era passada na cama, eu sempre contando histórias. Às 12h30 os guardas traziam pão, o que quebrava um pouco a monotonia do dia e nos dava uma idéia de que horas eram, já que naquela altura nenhuma de nós tinha mais relógio. Nossa refeição principal vinha à noite, e em geral consistia de grão-de-bico ou lentilha."


Mohammed e Fatema Oufkir, pais de Malika, em 1969, quando Mohammed era homem de confiança do rei. Três anos mais tarde, ele tentaria dar um golpe de Estado e seria assassinado
No dia 3 de março de 1986, vigésimo quinto aniversário da coroação do rei, os Oufkirs foram autorizados a se reunir novamente, pela primeira vez em nove anos. Ficaram chocados uns com os outros, ao ver quanto tinham envelhecido. "Parecíamos cadáveres ambulantes, magérrimos, pálidos, mal conseguindo ficar em pé, com olheiras enormes, o olhar esgazeado, vazio."

Os Oufkirs podiam agora passar seus dias juntos outra vez, mas eram separados à noite. Poucos meses depois, em novembro, os guardas mudaram de idéia e resolveram voltar a mantê-los trancados em celas separadas o tempo todo.

Os apelos da família, as inúmeras greves de fome e uma carta para o rei assinada com sangue não serviram para nada além do aumento da vigilância e dos maus-tratos. Numa noite de novembro de 1986, o desespero tomou conta de todos e eles tentaram um suicídio coletivo. Malika ajudou Soukaina a cortar os pulsos com a tampa de uma lata de sardinha e uma agulha de tricô. "Naquela noite, entramos num processo de enlouquecimento total. Pensamos que talvez a nossa morte pudesse facilitar a libertação dos outros presos... nós perdemos completamente a razão", lembra Malika.

Todas as tentativas de suicídio da família falharam. "Nós nem tratávamos os cortes, mas eles acabavam cicatrizando naturalmente." O que Malika mais tarde chamaria de "a noite das facas longas" foi um marco. Foi ali que se consolidou a resolução da família de tentar fugir da prisão. No dia 27 de janeiro de 1987, eles começaram a cavar um túnel, que, segundo o que calculavam, daria num descampado do lado de fora da prisão.

"Parecíamos guiados por uma força sobrenatural, não existia cansaço." Malika, Maria e Soukaina trabalhavam toda noite, das 22h até o amanhecer, com a ajuda de uma colher, um cabo de faca, uma barra de ferro e a tampa de uma lata. Elas cavavam até as 4h; dali até de manhã recolocavam as pedras do chão da cela meticulosamente, de forma a não despertar nenhuma suspeita nos carcereiros. "Nossas celas eram inspecionadas três vezes por semana, por isso tínhamos que ter certeza absoluta de que não havia nem sinal do túnel."

Foram três meses até o túnel ser concluído. Na noite do dia 19 de abril, Malika, Raouf, Maria e Abdellatif se espremeram e se arrastaram por dentro do túnel. Soukaina ficou um pouco mais atrás, para fechar a parede da cela. O restante da família estava doente demais para conseguir fugir.

Ao contrário do que se podia esperar, eles conseguiram escapar. Pegaram várias caronas até chegar a Tânger; lá, os amigos e a família os trataram com distanciamento e temor. Ninguém ofereceu abrigo. Depois de cinco dias perambulando, fingindo ser turistas italianos, eles foram denunciados e recapturados.

Mas um acontecimento inesperado os salvaria. Durante esse breve período de liberdade, conseguiram entrar em contato com uma rádio francesa exatamente no dia em que o então presidente François Mitterrand estava indo ao Marrocos para se encontrar com o rei Hassan 2º. A França encampou o caso dos Oufkirs e o Marrocos acabou forçado a encerrar os 15 anos de perseguição à família, que seriam substituídos por mais cinco anos de prisão domiciliar em Marrakesh. Mesmo quando a pena foi suspensa, em 1991, Hassan 2º continuou tentando frustrar todas as tentativas dos Oufkirs de reconstruir a vida fora do país. Foi só em 1996, quando uma das irmãs de Malika, Maria, conseguiu escapar num barco para a Espanha – o que acabou despertando um imenso interesse da mídia sobre o caso –, que o governo marroquino foi forçado a conceder passaportes e vistos para a família toda.

Em julho daquele ano, Malika chegou a Paris com os irmãos Raouf e Soukaina. Tinha 43 anos. Sua mãe e as outras duas irmãs se juntaram a eles dois anos mais tarde. Logo depois, Raouf decidiu voltar para o Marrocos, onde Abdellatif também estava vivendo.

Depois de passar 19 anos presa, Malika conseguiu aos poucos reconstruir sua vida. Hoje ela é uma escritora bem-sucedida, casada com o arquiteto francês Eric Bordreuil. Levou outro golpe recentemente, ao descobrir que os maus-tratos sofridos na prisão a deixaram estéril.

Mas não parece ter ficado amarga depois de tanto sofrimento. "Eu não gostaria de estar no lugar deles", diz. "Eles vão ter que lidar pelo resto da vida com esse peso na consciência. A única coisa que eu espero é que um dia haja justiça naquele país."

Quando perguntada sobre o que sente pelo pai, ela diz: "Eu não culpo meu pai pelo que aconteceu com a gente. É claro que enquanto estávamos na prisão eu conversei várias vezes com a minha família sobre o que ele tinha feito, mas tudo o que eu sei é que meu pai nos amava imensamente. Ele acreditava que estava fazendo a coisa certa, e nem por um momento imaginou que nos fariam pagar por aquilo".

Em 1991, Malika e Lalla Mina se reencontraram. "Foi um encontro muito intenso e muito duro para nós duas." Depois não tiveram mais contato. "Vivemos em mundos completamente diferentes. Eu sou uma nova mulher e ela ainda é uma princesa." Sobre Hassan 2º Malika diz: "Ele cometeu um delito grave e a história não vai perdoá-lo".

Mas Malika quer deixar claro que não guarda rancor de Hassan 2º, que morreu em 1999 e a quem um dia ela amou como um pai. "Na prisão, o ódio me ajudava a sobreviver. Hoje, eu oscilo entre o mais profundo ressentimento e um desejo sincero de não ter nenhum rancor. Rancor não traz de volta os anos perdidos, nem para mim nem para a minha família."

Saiba mais sobre o livro "Eu, Malika Oufkir, Prisioneira do Rei" e também sobre o caso da prisão da família Oufkir.

Por: Susan Bell,da Marie Claire Américal.

Tradução: Ana Ban e Silva Corone.


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