É impressionante o número de suicídios que encontramos relatados nos jornais.
Por que tanto se matam as criaturas, especialmente nas épocas de dificuldades e incertezas?
Deixemos de lado as causas imediatas, como problemas financeiros, amorosos ou de consciência.
Isso é apenas a gota d’água que fez transbordar o cálice, toque final que acabou por romper o precário equilíbrio emocional do ser, desatando seu impulso destrutivo numa ânsia de libertação.
São secundárias essas causas, embora tenham sido o fato precipitador da tragédia. Secundárias e relativas, porque um motivo, que poderia ser extremamente fútil para um, assume proporções alarmantes para outrem.
Além disso, vemos o mesmo indivíduo suportar, às vezes, golpes muito mais graves e sucumbir, depois, diante de
questões que um pouco mais de tolerância ou paciência teriam colocado em sua verdadeira perspectiva.
Muito depende, pois do seu estado emocional no momento em que lhe surge o problema pela frente.
Quando penso nisso, lembro-me sempre de uma advertência que encontrei no guichê de uma loja em Nova Iorque que; dizia assim: “Que diferença fará isso daqui a 99 anos?
Aquilo que agora nos parece uma calamidade insuportável, reduz-se às proporções de mero incidente daqui a poucas horas, alguns dias ou uns escassos meses.
É fácil demonstrar a veracidade da afirmação: quais foram as mágoas que nos atingiram tão fundo no ano passado?
Ou há três anos? Mesmo que nos lembremos de algumas delas - as que nos pareceram mais graves - já não nos ferem como então.
Com o decorrer de um pouco mais de tempo, lembrar-nos-emos delas até mesmo com certo sorriso indulgente e pensaremos: “Veja só! Isso me deu tanto aborrecimento e, afinal, nem valeu a pena...”
De outras vezes, aquilo que nos atormentou, nem sequer teve existência real; foi produto de uma imaginação exaltada, momentaneamente obscurecida pelo cansaço, pelas paixões ou pelo simples desconhecimento dos fatos.
Logo a seguir, o que nos parecia tão alarmante, verificamos ser simples suspeita com aparência de realidade.
Por isso, não é necessário pesquisar as causas imediatas, que desencadeiam a tragédia do suicídio; examinemos as origens profundas do fenômeno.
Por que se mata a criatura humana? Mata-se o pobre, o aleijado, o doente, como também se mata o rico, o belo, o saudável.
Por quê? Na verdade, o suicídio é, basicamente, uma fuga.
0 suicida quer fugir de situações embaraçosas, de desgostos, de pessoas que detesta, de mágoas que não se sente com forças para,suportar, deseja, afinal de contas, fugir de si mesmo.
E aí que está a gênese do seu fatal desengano: não podemos, de maneira alguma, fugir de nós próprios.
Para que isto ocorresse, seria necessário que tudo se acabasse com a morte; seria preciso que, ao cortar o fio da existência, tudo o que somos se dissolvesse, num instante, em nada.
E não é assim que acontece; absolutamente não.
Vemos, então, que o fundamento da ilusão suicida está na total ignorância do homem diante de sua própria natureza espiritual.
Há de chegar o dia em que todos compreenderão que somos Espíritos encarnados e não simplesmente conglomerado de células materiais; que o corpo físico é um mero instrumento de trabalho e aperfeiçoamento do Espírito; acessório e não principal, na estrutura da personalidade humana.
Nesse dia não haverá mais suicidas.
Suicidar para quê? Se apenas o organismo fisico se destrói, ao passo que o princípio espiritual sobrevive?
Abandonado pelo Espírito, o corpo não é mais que um amontoado de matéria.
E, como tal, volta para a sua origem, isto é, a terra.
O Espírito, a seu turno, também regressa para o lugar donde veio: aquilo a que o Dr. Hernani G. Andrade chama hiperespaço.
Com o Espírito é que pensamos e sentimos; nunca com o corpo fisico, mera ferramenta.
Para certificar-se disso, basta ver um cadáver.
Que é que falta à criatura que acaba de morrer?
Têm ainda os músculos, a mesma cor dos olhos, o cérebro, os órgãos internos.
Por que não se mexe mais, não anda, não fala, não vive?
Por que sua carne entra logo em decomposição e seu corpo começa a ruir como uma casa abandonada?
A resposta é simples: é porque algo muito importante deixou aquele corpo para sempre.
Esse algo, princípio imaterial do ser, é o Espírito, órgão diretor e coordenador, sem o que tudo se desorganiza e se desintegra.
A parte que fica é inerte e sem vida própria; não sente dor, nem outra qualquer sensação - é só matéria.
A consciência está no Espírito que parte.
Por conseguinte, quando deixamos o corpo material, levamos nossas lembranças, sentimentos, paixões, alegrias, tristezas, esperanças, temores, angústias e sofrimentos, tal como os experimentávamos aqui na carne.
O corpo não é mais que uma vestimenta perecível do Espírito imortal.
E se sofríamos aqui, sofreremos muito mais do lado de lá da vida, se praticarmos a violência do suicídio.
Não só porque nossas mágoas terrenas persistem, mas porque descobrimos surpresos, envergonhados e terrivelmente arrependidos, que continuamos vivos, com as mesmas idéias que tínhamos, e ainda sofrendo dores muito mais agudas, porque só então nos assalta, num tremendo impacto, a amarga compreensão da loucura que praticamos.
Para os espíritas, familiarizados com a literatura mediúnica, isso não é novidade.
Temos inúmeros depoimentos de Espíritos que provocaram a destruição de seu corpo
fisico, na trágica ilusão de que 'dessa forma se libertariam para sempre de seus problemas.
E vêm confessar, amargurados, que o portão da morte não se abre para a escuridão vazia do nada; que a vida continua, com o corpo fisico ou sem ele; e aquilo a que chamamos morte é uma simples transição - seus portões nos levam a uma outra forma de vida e não ao aniquilamento.
E então aquele que destruiu voluntariamente seu envoltório material chega à dolorosa conclusão de que apenas conseguiu agravar enormemente seus problemas íntimos, sem libertar-se de nenhuma de suas dificuldades.
E descobre, ainda mais, que terá de voltar à carne em outras condições, talvez ainda mais penosas e precárias, tantas vezes quantas forem necessárias para corrigir, refazer e pacificar.
Assistimos, então, ao funcionamento inapelável da lei cármica de causa e efeito, ajudando o pobre ser derrotado e doente a tomar o amargo remédio da recuperação.
E aquele que arrebentou seus próprios ouvidos, com um tiro assassino, renasce com o mecanismo da audição destruído; não podendo ouvir, não aprende a falar.
E daí atravessar uma existência inteira, isolado na solidão forçada, a fim de que seu Espírito compreenda, no silêncio, o verdadeiro sentido da vida e o valor inestimável dos dons que recebemos ao nascer.
O que tomou venenos corrosivos, volta à carne com as vísceras deficientes, sujeitas a misteriosas e incuráveis mazelas.
Tudo isso porque não podemos ir adiante sem pagar o que devemos, e, sendo a justiça de Deus tão perfeita, não pagamos senão o que devemos segundo diz a Lei.
Logo, o suicídio é o maior, o mais trágico e lamentável equívoco que o ser humano pode cometer.
Para não suportar uma dor que deveria durar alguns instantes, buscamos,precipitadamente, outra .
Que pode durar tanto quanto uma nova existência de aflições.
Certamente Deus nos dá os recursos necessários à recuperação, mas o esforço da subida tem que ser nosso, para que dele decorra o mérito da ação.
Isso de dores, mágoas, sofrimentos e aflições são tudo condição transitória de seres em reajuste moral.
No fundo de si mesmo, o Espírito esclarecido sabe, intuitivamente, a razão da sua dor e se rejubila com ela, porque somente pagando o que deve poderá prosseguir para o Alto.
E sabe mais: certo da perfeição da Lei, na qual não há injustiças, compreende que, se sofre, é porque deve; a Justiça Divina não cobra multas a quem não cometeu infrações; ela é infinitamente mais perfeita que a dos homens.
Dessa forma, interferindo violentamente no mecanismo das leis supremas, o suicídio agrava os problemas, em vez de resolvê-los.
A ordem é esperar com paciência, resignação e confiança, aguardando serenamente a libertação.
Acima de toda mágoa, o Espírito pode pairar serenamente e até mesmo embalado por secreta alegria, pois tem a certeza de que está resgatando, com a única moeda válida - a do sofiimento -,compromissos que ainda o prendem a um passado faltoso.
Texto do Livro : Candeias na noite escura,Por João Marcus,Pseudônimo de Hermínio C. Miranda.
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